Escrito por Ana Paula Brum – Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica
INTRODUÇÃO
Hoje estamos aqui para mais esse “analisando” e desta vez, eu escolhi essa belezura de livro para que a gente pudesse conversar e analisar através de um olhar existencial sobre o conto, personagens e a obra.
Eu conheci esse livro “Outros jeitos de usar a boca” de Rupi Kaur em meados de 2019, numa época onde eu estava procurando por leituras que me tirassem do mundo de textos extremamente acadêmicos e confesso que foi uma bela surpresa. Não conhecia a autora e também não tinha costumes de ler poemas (sim, eu fui completamente engolida pelas leituras técnicas e obrigatórias da minha formação profissional), algo que até hoje eu venho tentando mudar e é por isso também que iniciei essa proposta de quadro esporádico.
Se você já leu, te convido a ficar pra uma prosa sobre esse livro. Se ainda não o conhece, fica aqui esse convite para você ouvir um pouco do que eu analiso no campo existencial (sem muito spoiler da história em si).
ANÁLISE
Bem, “Outros Jeitos de Usar a Boca” é uma coletânea de poemas de Rupi Kaur, que é escritora, poetiza feminista contemporânea, publicado no Brasil pela editora Planeta em 2017.
O livro é dividido em quatro temáticas principais: A Dor, O Amor, A Ruptura e A Cura. Como a maioria dos poemas são curtos, você percebe que a autora precisa transmitir sua mensagem em poucas palavras, o que poderia passar a sensação de pressa ou instantaneidade, mas não foi isso o que eu senti.
Pelo menos na minha experiência, pude perceber que Kaur se comunica com simplicidade e clareza, sem aquela mania de dar muitas voltas nas palavras, o que eu confesso às vezes atrapalha a minha linha de raciocínio e faz o meu pensamento querer vagar um pouco para longe. Da mesma forma, aqui neste livro, os versos mais encurtados se tornam ainda mais impactantes, já que não há muito espaço para rodeios. Se você ainda não teve essa experiência de leitura, já fica com essa dica: por ter assuntos sensíveis e ir direto ao ponto, pode ser chocante em alguns momentos (novamente, para mim não é algo ruim).
Nesse livro eu percebi uma escrita fluida, estruturada em versos mais livres, o que me dá a percepção de estar quase dentro da cabeça da personagem. Como se ela me desse autorização para invadir seus pensamentos, mas claro, eles quase nunca estarão perfeitamente organizados. Olhando poeticamente para nós mesmos é fácil compreender o porquê. Particularmente eu gosto da inquietude que essa forma de escrita me traz.
Abordando a temática do livro em si, é como se a autora contasse um pouco das suas dores ali, e olha, o que não falta são dores nessas páginas. Mesmo que você não tenha passado por algumas ou todas elas, me parece ser possível compreender o que ela está querendo te dizer.
Existem alguns poemas onde é possível perceber problemáticas entre ela e o pai, uma relação que aparentemente é cercada pela ausência, falta de afeto, problemas causados pelo alcoolismo. Já em outros, lidamos com relatos de pura raiva pelo silenciamento machista e poemas densos sobre abusos sexuais.
Rupi Kaur é uma mulher de origem indiana, se mudou para o Canadá ainda criança e cresceu em uma comunidade de imigrantes na periferia de Toronto. Nesse sentido, vinda de um contexto social bastante tradicional onde mulheres não têm muito espaço para ter opinião, podemos compreender que as experiências de vida da autora tem uma origem bem característica, com vários tabus, regras e dogmas religiosos.
Como não existe uma história/estória narrada aqui, eu fico com uma ênfase especial no último capítulo, que de fato foi o que mexeu comigo profundamente.
Comentei anteriormente que eu acredito que você não precisa necessariamente ter passado por experiências de violência semelhantes às da autora, mas acredito que será necessário um tanto mais de sensibilidade para poder ir além nessa leitura. Se não, você pode correr o risco de não compreender, inclusive, o apelo político que esse livro possui.
O último capítulo intitulado “a cura”, Kaur traz páginas, do que para mim, surgiram como se fossem um abraço.
As possibilidades de ser mulher (cis, trans) aqui no Brasil pelo menos, não são as melhores. Como ser política que eu também sou, ao ler alguns poemas eu precisei parar para chorar. Que aí eu não penso só em mim. Eu penso também na minha mãe, nas minhas tias, minhas avós, amigas, pacientes, colegas de trabalho. Você consegue imaginar o tanto de história de dor e superação que não existe atrás desse tanto de gente?
E não são dores comuns, do tipo: ter que trabalhar para sustentar uma família. Ou trabalhar e estudar para conseguir um futuro mais promissor. Eu falo de violência causada por pares, por familiares, por amantes, amigos, mesmo que sejam desconhecidos, mas quem são essas pessoas para julgar os corpos femininos como sendo à sua disposição para consumo?
Certamente você já foi tocado por algum tipo de violência na sua vida. Se estou correta nisso, somente você sabe os impactos que essa experiência traz para a sua vida e não há como considerar fatores de risco sociais que nos aproximam ou nos afastam de situações potenciais de violência. Em “Outros jeitos de usar a boca” nós somos convidados a enfrentar isso também.
ENCERRAMENTO
Não tenha dúvidas que esse livro foi pauta de pelo menos uma sessão de terapia minha. Não consegui lê-lo apenas como observadora de uma história/estória ou leitora de poemas soltos. Com certeza foi algo que mexeu comigo e continua mexendo, tanto que já produzi conteúdos para o canal, para o instagram e agora para o blog falando dessa obra.
Deixo aqui a minha indicação para você, se o convite fizer sentido.
Certamente não será o último livro de Rupi Kaur que irei me aventurar.
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